Nascida Laura Smith Petersen, e posteriormente conhecida pelo nome de casada, Laura Kieler foi uma escritora promissora dos idos de 1869.
Neste ano ela publicou um livro intitulado: “Brand`s Daughters: a Picture of Life”. Este livro propunha-se a ser uma espécie de continuação da peça “Brand” de Ibsen, a qual foi o seu primeiro grande sucesso e estertor para a fama mundial. Ibsen tomou conhecimento da obra e manifestou sua admiração pelo texto e talento da novata, eles então passaram a trocar correspondências.
Os dois conheceram-se no verão de 1871 quando Laura visitou o dramaturgo por dois meses em sua casa em Dresden, onde morava com a família desde o regresso da Itália.
Ibsen sempre teve necessidade de estar cercado por figuras femininas fortes. Segundo Sharon Linnea, responsável por uma edição crítica de Casa de Bonecas nos EUA, mesmo tendo se casado em 1858, “por toda a sua vida, no entanto, Ibsen continuou a ter flertes com mulheres mais jovens”. Segundo seu biógrafo Michael Meyer, os dois se davam muito bem e passaram muito tempo juntos por ocasião desta visita. Ibsen a chamava de “minha cotovia”, por sua vivacidade, alegria e doçura. Ele também a encorajou a escrever e perseguir uma carreira literária. Ela repetiu a visita cinco anos mais tarde, quando já casada e acompanhada de seu marido, Victor Kieler, visitou o autor na sua casa em Monique.
Em 1876 o marido de Laura adoeceu de tuberculose, e ela, seguindo as recomendações médicas da época, chegou à conclusão de que a única maneira de fazê-lo restabelecer sua saúde, seria tirar um período de férias em um local mais quente. Ainda segundo Meyer eles “não tinham meios para isso e Kieler tornou-se neuroticamente histérica a qualquer menção de dinheiro, portanto ela resolveu obter um empréstimo secretamente” (Meyer p.443).
No entanto, antes disso, uma das primeiras pessoas a quem Laura recorreu em seu desespero por dinheiro foi Ibsen. Ela escreveu uma carta para a esposa dele e junto enviou um manuscrito terminado às pressas, pedindo que o convencesse a usar de sua influência com seu editor para conseguir a publicá-lo. Esperava com o dinheiro do adiantamento ter o suficiente para o descanso e tratamento do marido. A resposta de seu ídolo, contudo, não foi nada lisonjeira e, desconhecendo a real situação de sua protegida, aconselhou-a a esperar mais um tempo para publicar seus trabalhos:
“Você está pensando em continuar a escrever ? É preciso muito mais do que o mero talento. É preciso ter algo para criar a partir de alguma experiência genuína. Se não se tem isso, não se escreve, no verdadeiro sentido, só se fazem livros. Intelectualmente, o homem é um animal a ser compreendido com distanciamento; vemos mais claramente à partir de uma distância; sem detalhes para distrair; deve- se afastar o que se quer para julgar; um escritor descreve o verão melhor em um dia de inverno. A principal coisa é ser verdadeiro e fiel a si mesmo. Não é questão de estar disposto a ir nessa ou naquela direção, mas de querer o que se é absolutamente necessário, porque um escritor só pode ser ele mesmo e não pode ser de outra forma. O resto são apenas mentiras.”
(Carta de Henrik Ibsen para Laura Kieler).
Logo que sua mulher mostrou-lhe a carta, Ibsen desconfiou de que algo estava sendo omitido, suas observações a ela a este respeito foram paternais. Como se não entendesse a sua lealdade a um homem que estivesse ignorando seus sofrimentos.
“Em uma família onde o marido ainda está vivo, ele não deveria deixar ser necessário para a esposa, sacrificar o próprio sangue, como você está fazendo. Eu não entendo, tampouco, como ele pôde permitir que você sofresse assim. Deve haver algo que você está omitido em sua carta, e que mudaria toda a história.” E completou: “O que quer que esteja te incomodando, coloque nas mãos do seu marido. É ele quem deve suportar.” (cont.)
Quando a história do empréstimo fraudulento veio à tona, ignorando que ela havia feito isso para salvar sua vida, seu marido pediu o divórcio e afastou-a de seus filhos. Julgada infame pela sociedade da época, que ficou chocada com o episódio, Laura sucumbiu à pressão e teve um colapso nervoso, sendo internada em uma instituição para doentes mentais. O casal Ibsen, tentou através de amigos saber notícias de Laura em vão. Foi nesta época que ele começou a escrever “Casa de Bonecas”.
Depois de um período de internação, ela recebeu alta e acabou eventualmente voltando para o marido, a despeito da forma com a qual ele a havia tratado. Mesmo após voltarem a ser um casal, Victor a manteve distante de seus filhos por um período de dois anos.
As relações entre Ibsen e Laura, contudo, azedaram de vez. Visivelmente constrangida e irritada por se ver transformada em uma peça, ela nunca o perdoou.
Ele por sua vez, colheu os louros da peça e não parou por aí. “Casa de bonecas” Não é a única peça de Ibsen na qual ela é presença. Em seu último trabalho, “Quando despertarmos de entre os mortos” a roupa de Irene, a mulher misteriosa, é uma referência ao vestido usado por Kieler na ocasião de sua primeira visita em Dresden, no momento em que se conheceram, e assim como ela se ressentiu por ver sua vida “transformada em arte”, Irene se sentia violada e usada por Rubek.
Henrik Ibsen entrou para a história como um dos maiores dramaturgos de todos os tempos. Laura viveu com a família na Dinamarca até seus últimos dias. Passou a escrever livros históricos sobre sua terra natal e tentou até o fim criar uma vida onde não passasse para a posteridade como a fonte de inspiração de “Casa de Bonecas”. Intuito no qual, como todos sabem, falhou.
Fontes:
http://ibsen.nb.no/id/83.0
http://ebenezermaxwellmansion.org/tag/laura-kieler/
http://peoplecheck.de/s/laura+kieler
Meyer, Michael. Ibsen A Biography. Garden City: Doubleday and Company, Inc., 1971.
Linnea, Sharon. A Doll’s House and Hedda Gabler. Woodbury, N.Y. : Barron’s Educational Series (April 1985)
Templeton, Joan. Ibsen´s Women. Cambridge:. Cambridge University Press, 1997