Patinando no Gogol

Busto de Nikolai Gogol na Rússia. A imagem veio daqui.

Olha, não sei se sou eu ou é o livro mesmo, o caso é que está bem difícil de ler o tijolão. Tenho ficado desinteressada, fugido do livro ou me distraindo durante a sua leitura. Isso tem se repetido dia após dia. O que será?

De fato, não encontrei muita comédia até agora, e o romance não tem a mesma pegada da peça. Mesmo assim, continuo. Quem sabe não sou quem não está conseguindo captar a vibe do Gogol nesta história?

Estou no meio do livro. Conto mais a respeito no relatório de leitura, entretanto esta desaceleração do meu ritmo de leitura merecia o comentário. Escolhi comédia com um propósito: o de que o livro me desse fôlego. O que aconteceu foi que ele acabou o roubando de mim.

Não quero ser drástica, principalmente devido aos bons momentos no palco que Gogol evoca para mim, depois de tê-lo encenado. Tomara que este desânimo seja apenas um momento meu. Oremos!

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“Almas Mortas” – Nota de Início

Nikolai Gogol autor de “Almas Mortas”

Voltamos para a Rússia! E, depois de Tolstói, a próxima descoberta é Gogol.

O que eu conheço de Gogol? Bom, alguns anos atrás fiz uma de suas peças no teatro, “O Insetor Geral”.  Gostei muito do texto, da ironia, e principalmente do quanto o tom daquela comédia clama por ousadia e criatividade na concepção do espetáculo. Foi tão gostoso! Me senti livre! Fora que os personagens e as situações lembravam o Brasil… Sem brincadeira! Parecia que eu falava do meu país.

Espero que este “Almas Mortas” seja tão divertido quanto “O Inspetor Geral”, afinal,  estou precisando de comédia na minha vida.

Não sei muito sobre a obra, vou descobrir agora. A única coisa que preciso comentar de antemão é que foi bem difícil conseguir o livro. Tive que encomendar e pagar com antecedência. Demorou um pouco a chegar, entretanto comento mais à respeito durante o relatório de leitura.

Gogol aqui vou eu!

Pistas de Nora – Parte Um – Conversa com a Senhora Linde

Alguns detalhes da peça “Casa de Bonecas” de Henrik Ibsen, são importantes para a assimilação da obra, no entanto, podem passar despercebidos pela maioria dos leitores.

Durante o vídeo pedi que vocês prestassem atenção em alguns detalhes, agora os comento aqui no blog em partes. Vamos à primeira delas:

Conversa com a Senhora Linde.

Um dos fatos mais inusitados da peça é a mudança de Nora no decorrer da história, mas será que isso realmente aconteceu?

Logo na primeira cena do texto, em uma conversa com sua amiga, ela deixa claro que não.

Quando a Senhora Linde faz uma comparação entre a vida das duas, não consegue conter o impulso de se fazer de vítima, e a reação da protagonista é instantânea. Em duas falas ela, por assim dizer, coloca a amiga em seu devido lugar. Tudo isso, apesar de sutil, é o primeiro indicativo de quem na verdade ela é.

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Um pequeno detalhe, numa simples troca de palavras é revelador quanto à trajetória interior desta personagem, que sabe defender sua honra como ninguém.

Na realidade, Nora sempre foi senhora de si, e isto é bem referenciado a partir deste ponto durante a conversa. Ela apenas se adequou a vida das pessoas com quem conviveu, e em especial na dos dois homens mais importantes da sua vida.

Até este momento, a heroína havia se mostrado uma mulher, alegre, fútil e docemente desatenta. Este arroubo mostra que a banda nunca tocou desse jeito. Todo o seu comportamento é um papel, primeiro representado para o pai e posteriormente para o marido. E a sua exata natureza, até então oculta, aflora.

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Para todos os efeitos, e principalmente para estes dois homens, ela era uma boneca, e toda a sua existência, seus anseios e seu ser mais complexo, era para eles um arremedo do que consideravam vida. Era um complemento do brinquedo: a casa de bonecas.

No andamento da peça não podemos deixar de perceber algumas coisas sobre Nora. Por exemplo, uma pessoa com tanta presença de espírito, não pode ser levada, ou conduzida ao que quer que seja. Ela não “despertou” para a verdade, apenas constatou que as bases do seu casamento sempre foram frágeis. E que o seu posicionamento em relação ao do marido era flagrantemente assimétrico.

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Tônia Carrero como Nora / Fonte da imagem

Outra coisa a ser salientada é que ela sabia muito bem o que havia feito e carregava esta proeza como uma insígnia de glória. Em seu íntimo era ciente de que seu ato não poderia ser considerado totalmente reprovável. Sentia em seu coração possuir a reciprocidade de entendimento do marido, que se decepcionaria, é verdade. Mas não deixaria de ver, em nenhum momento também na imprudência um ato de amor.

Para ela foi um crime plenamente perdoável, embora indiscreto. Já dizia Nietzsche: “O que se faz por amor sempre acontece além do bem e do mal”. Aforismo típico de quem vive a embriaguez de uma vida idealizada. Pôxa Nora! O cara morreu de sífilis! Mesmo que ignorasse a máxima, qualquer coisa em seu entorno poderia tê-la feito se ligar…

Mas Nora não via em seu comportamento anulação propriamente dita. Para ela era um gesto de amor, um teatro inocente, pois se acreditava amada sem nunca questionar os limites, e as conveniências vinculadas a este amor. A verdade é dura.

Enfim, viver em uma casa de bonecas não é coisa para pessoas de carne e osso.

Laura Kieler, a mulher que inspirou Ibsen a escrever “Casa de Bonecas”.

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Gillian Anderson como Nora / The Guardian

Nascida Laura Smith Petersen, e posteriormente conhecida pelo nome de casada, Laura Kieler foi uma escritora promissora dos idos de 1869.

Neste ano ela publicou um livro intitulado: “Brand`s Daughters: a Picture of Life”. Este livro propunha-se a ser uma espécie de continuação da peça “Brand” de Ibsen, a qual foi o seu primeiro grande sucesso e estertor para a fama mundial. Ibsen tomou conhecimento da obra e manifestou sua admiração pelo texto e talento da novata, eles então passaram a trocar correspondências.

Os dois conheceram-se no verão de 1871 quando Laura visitou o dramaturgo por dois meses em sua casa em Dresden, onde morava com a família desde o regresso da Itália.

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Laura Kieler / Fonte da imagem

Ibsen sempre teve necessidade de estar cercado por figuras femininas fortes. Segundo Sharon Linnea, responsável por uma edição crítica de Casa de Bonecas nos EUA, mesmo tendo se casado em 1858, “por toda a sua vida, no entanto, Ibsen continuou a ter flertes com mulheres mais jovens”. Segundo seu biógrafo Michael Meyer, os dois se davam muito bem e passaram muito tempo juntos por ocasião desta visita. Ibsen a chamava de “minha cotovia”, por sua vivacidade, alegria e doçura. Ele também a encorajou a escrever e perseguir uma carreira literária. Ela repetiu a visita cinco anos mais tarde, quando já casada e acompanhada de seu marido, Victor Kieler, visitou o autor na sua casa em Monique.

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Victor Kieler / Fonte da imagem

Em 1876 o marido de Laura adoeceu de tuberculose, e ela, seguindo as recomendações médicas da época, chegou à conclusão de que a única maneira de fazê-lo restabelecer sua saúde, seria tirar um período de férias em um local mais quente. Ainda segundo Meyer eles “não tinham meios para isso e Kieler tornou-se neuroticamente histérica a qualquer menção de dinheiro, portanto ela resolveu obter um empréstimo secretamente” (Meyer p.443).

No entanto, antes disso, uma das primeiras pessoas a quem Laura recorreu em seu desespero por dinheiro foi Ibsen. Ela escreveu uma carta para a esposa dele e junto enviou um manuscrito terminado às pressas, pedindo que o convencesse a usar de sua influência com seu editor para conseguir a publicá-lo. Esperava com o dinheiro do adiantamento ter o suficiente para o descanso e tratamento do marido. A resposta de seu ídolo, contudo, não foi nada lisonjeira e, desconhecendo a real situação de sua protegida, aconselhou-a a esperar mais um tempo para publicar seus trabalhos:

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Henrik Ibsen / Fonte da imagem

“Você está pensando em continuar a escrever ? É preciso muito mais do que o mero talento. É preciso ter algo para criar a partir de alguma experiência genuína. Se não se tem isso, não se escreve, no verdadeiro sentido, só se fazem livros. Intelectualmente, o homem é um animal a ser compreendido com distanciamento; vemos mais claramente à partir de uma distância; sem detalhes para distrair; deve- se afastar o que se quer para julgar; um escritor descreve o verão melhor em um dia de inverno. A principal coisa é ser verdadeiro e fiel a si mesmo. Não é questão de estar disposto a ir nessa ou naquela direção, mas de querer o que se é absolutamente necessário, porque um escritor só pode ser ele mesmo e não pode ser de outra forma. O resto são apenas mentiras.”

(Carta de Henrik Ibsen para Laura Kieler).

Logo que sua mulher mostrou-lhe a carta, Ibsen desconfiou de que algo estava sendo omitido, suas observações a ela a este respeito foram paternais. Como se não entendesse a sua lealdade a um homem que estivesse ignorando seus sofrimentos.

“Em uma família onde o marido ainda está vivo, ele não deveria deixar ser necessário para a esposa, sacrificar o próprio sangue, como você está fazendo. Eu não entendo, tampouco, como ele pôde permitir que você sofresse assim. Deve haver algo que você está omitido em sua carta, e que mudaria toda a história.” E completou: “O que quer que esteja te incomodando, coloque nas mãos do seu marido. É ele quem deve suportar.” (cont.)

Quando a história do empréstimo fraudulento veio à tona, ignorando que ela havia feito isso para salvar sua vida, seu marido pediu o divórcio e afastou-a de seus filhos. Julgada infame pela sociedade da época, que ficou chocada com o episódio, Laura sucumbiu à pressão e teve um colapso nervoso, sendo internada em uma instituição para doentes mentais. O casal Ibsen, tentou através de amigos saber notícias de Laura em vão. Foi nesta época que ele começou a escrever “Casa de Bonecas”.

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A esposa de Ibsen Suzannah Daae Thoresen / Fonte da imagem

Depois de um período de internação, ela recebeu alta e acabou eventualmente voltando para o marido, a despeito da forma com a qual ele a havia tratado. Mesmo após voltarem a ser um casal, Victor a manteve distante de seus filhos por um período de dois anos.

As relações entre Ibsen e Laura, contudo, azedaram de vez. Visivelmente constrangida e irritada por se ver transformada em uma peça, ela nunca o perdoou.

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Gillian Anderson / Fonte da imagem

Ele por sua vez, colheu os louros da peça e não parou por aí. “Casa de bonecas” Não é a única peça de Ibsen na qual ela é presença. Em seu último trabalho, “Quando despertarmos de entre os mortos” a roupa de Irene, a mulher misteriosa, é uma referência ao vestido usado por Kieler na ocasião de sua primeira visita em Dresden, no momento em que se conheceram, e assim como ela se ressentiu por ver sua vida “transformada em arte”, Irene se sentia violada e usada por Rubek.

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Laura Kieler / Fonte da imagem

Henrik Ibsen entrou para a história como um dos maiores dramaturgos de todos os tempos. Laura viveu com a família na Dinamarca até seus últimos dias. Passou a escrever livros históricos sobre sua terra natal e tentou até o fim criar uma vida onde não passasse para a posteridade como a fonte de inspiração de “Casa de Bonecas”. Intuito no qual, como todos sabem, falhou.

Fontes:

http://ibsen.nb.no/id/83.0

http://ebenezermaxwellmansion.org/tag/laura-kieler/

http://peoplecheck.de/s/laura+kieler

Meyer, Michael. Ibsen A Biography. Garden City: Doubleday and Company, Inc., 1971.

Linnea, Sharon. A Doll’s House and Hedda Gabler. Woodbury, N.Y. : Barron’s Educational Series (April 1985)

Templeton, Joan. Ibsen´s Women. Cambridge:. Cambridge University Press, 1997

Nora e a superioridade

A imagem veio daqui

Quando escrevia sobre Casa de Bonecas, citei uma passagem que me fez repensar a vida, em dado momento da peça, Nora conversa com sua amiga e esta, faz um comentário. Comentário este que eu mesma já ouvi à exaustão. Nos últimos tempos senti um enorme afastamento de uma amiga, pensava eu se tratar apenas de uma divergência política, e algumas atitudes tomadas por ela, que hoje eu leio como passivo agressivas, culminaram com o fim da amizade.

Qual não foi a minha surpresa ao ler a peça e ver a amiga de Nora fazer o tal comentário. Foi também neste momento do texto que eu percebi a força e a perspicácia de Nora (aquela mesma que eu não tive). Sua colocação enérgica, pontual e justa. Fica portanto a lição: ninguém que faça pouco do seu sofrimento e aproveite o mesmo momento para posar de vítima das circunstâncias merece seu respeito, carinho ou atenção. Infelizmente eu não tive a mesma sacada de Nora, mas sua amiga quando imediatamente confrontada pelo subterfúgio covarde que usava, assume a culpa e se desculpa. Dificilmente eu teria presenciado uma reação semelhante. Se não fosse esta cena, eu talvez passasse algum tempo pensando sobre, mas gracas a Ibsen não é o caso. Pequenas lições, pequenas coisas, que afloram ao ler os clássicos e fazem aquela diferença na nossa vida. Creio que é  isso o que eles mais acrescentam, compreensão arguta do que é o humano.

“Casa de Bonecas” – Guia de Leitura

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Chega a ser engraçado fazer um guia de leitura para “Casa de bonecas”. Ler peças de teatro é muito fácil! Não existem tantas descrições como em romances, o que dá agilidade a leitura. Estamos falando praticamente de ações, portanto não há segredos.

Contudo, o que deve ser observado nesta obra é o seu contexto, pois dessa forma, você vai compreender melhor as intenções do autor ao escrevê-la, e evitar julgamentos à luz da modernidade. Em uma primeira incursão talvez ela não pareça tão convidativa, por isso temos de levar em consideração o tempo decorrido desde sua primeira encenação, e o fato de muito do seu ineditismo e impacto tenham sido dissolvidos pela estrutura atual da nossa sociedade que difere da retratada ali. Não darei spoilers, e para tanto procurarei ser bem geral.

A estrutura da peça é o tradicional “três atos”. O autor é sucinto, vai direto ao ponto e constrói muito bem as tensões da obra no subtexto. Como foi lançada na época do início do feminismo, o texto é considerado por muitos um libelo do movimento, mas o próprio autor esclarece: “Eu sou mais poeta do que filósofo e declino da honra de ter lutado conscientemente pela causa feminista. Eu não consigo sequer ver o que seja a causa feminista. Para mim, há somente uma causa, a da humanidade”.

Na peça Ibsen trata dos papéis feminino e masculino, impostos ou aceitos, dentro de um casamento, na sociedade da época. O título faz alusão à forma como as mulheres eram tratadas: “Bonecas”. Um ser nada complexo e portanto incapaz de tomar suas próprias decisões ou de possuir uma vida interior profunda. É um marco do Realismo, e é esta a melhor forma de a ler. Como um elemento de oposição a aura ilusória da corrente do Romantismo. Ibsen inspirou-se na história de uma amiga, que viveu um episódio o qual ficou conhecido na época como “caso Laura Kieler“. O desfecho de Laura foi diametralmente oposto ao da protagonista. É como se o dramaturgo tivesse reescrito a história da amiga com o final que ele gostaria de ter dado a ela na vida real. Por ser tão próxima e tão viva a obra ecoa a percepção da real dimensão do amor. Aquele que não pode, nem deve, nunca, ser uma encenação.

“Casa de Bonecas” – Relatório de Leitura

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Como já havia comentado esta é a segunda peça de Ibsen que leio. Posso dizer que foi sim recompensador. No começo tive dúvidas, já que a velocidade da trama e a forma como eu via a protagonista, não me animavam. Contudo, essas impressões se dissiparam à partir do momento que compreendi a intenção do autor. Por isso, se você a está lendo agora, espere até o final para tirar as suas conclusões.

Fora isso, é digno de nota que o contexto da peça é um pouco difícil de ser captado. Algumas coisas sobre a sociedade que retrata (regime político, costumes e etc. ) tive que pesquisar para ter certeza de as entender corretamente. Aconselho que faça o mesmo, caso também sinta dificuldade. Postarei no guia de leitura as informações complementares que pesquisei.

Atenção para a armadilha: é uma peça antiga, então quando as pessoas falarem “Oh Ibsen!”, como se fosse uma coisa transcendental, apenas para iniciados e dificílima de se entender, desconfie! Primeiro fuja da pessoa (que está se dando ares de importância) e depois leia sem medo. O texto é tranquilo. Sem sobressaltos.

Em geral gostei dos personagens, foram convincentes. E, com um em específico acabei por ter uma revelação. Digamos que uma situação da minha vida apareceu diante dos meus olhos, e a protagonista “traduziu” para mim, algo que demorei alguns anos para perceber. Pelo menos para mim, Ibsen foi libertador…