“Berlin Alexanderplatz” – Guia de Leitura

 

Como escrever este guia de leitura? Principalmente se já no relatório confessei o quanto foi difícil ler o livro levando em consideração a situação em que eu me  encontrava.

Decidi que uma estrutura em tópicos será mais produtiva. Neste caso, mãos à obra:

  • É melancólico. Não adianta pensar que a minha doença e o fato de ter lido no hospital foi determinante para considerá-lo assim. Não foi. E não se preocupe também porque não é nada insuportável, mas já fique avisado e de espírito preparado antes de ler o livro, assim, o risco de ser pego de surpresa e resolver desistir da leitura diminuirá.

 

  • “Alexanderplatz” se refere a um lugar que existe de verdade em Berlim.  Aconselho a pesquisar à respeito. Quanto mais informações, mais rica a sua leitura, pois tudo que envolve aquele lugar diz respeito à esta obra em particular. Claro que se você nunca ouviu falar de “Alexanderplatz” pode ler o livro com tranquilidade e aproveitar. Agora, se você souber, isto enriquecerá a sua leitura, e em certo grau facilitará a compreensão da obra.

 

  • Recomendo também a leitura do “Livro de Jó” e alguma pesquisa à respeito dele, em busca de contextualização,  pois a estória se refere a este texto praticamente durante todo o livro. É como se no desenrolar do livro existisse uma ligação entre a narrativa e o “Livro de Jó”.

 

  • Algumas décadas depois de ter escrito o livro, o autor que era judeu, converteu-se ao catolicismo. Se levarmos em consideração que o “Livro de Jó” é um texto sagrado comum às duas religiões, ler a obra munida desta informação enriquecerá a sua proximidade com o trabalho do autor e a sua profundidade,

 

  • Geralmente as notas de rodapé da tradução trazem informações que auxiliam na imersão da narrativa. Preste atenção à elas. Algumas situações e trocadilhos provavelmente vão se perder no meio do caminho, pois eles tratam de um recorte bem regional e específico de um determinado país, e por mais que passe por diferentes classes, para  um estrangeiro algumas coisas continuarão não claras. Nada que comprometa a grandeza da obra, afinal de contas duvido que seja preciso aos gringos entender tudo de Machado ou Guimarães Rosa para apreciar a universalidade dos nossos escritores clássicos também.

 

  • Pesquise os movimentos artísticos que influenciaram a obra de Döblin como o “Expressionismo Alemão” e a  “Nova objetividade” (Neue Sachlichkeit).

 

  • Existe uma minissérie muito famosa sobre o livro dirigida pelo badalado Fassbinder. Acho que val a pena ler o livro e assistir a minissérie televisiva. Entretando recomendo a leitura do llivro primeiro. Foi o que eu fiz e não me arrependo. Assistir ao trabalho do fassbinder antes poderia influenciar a minha interpretação e limitar a minha imaginação.

 

  • A atmosfera do livro tem tudo a ver com o momento da história alemã retratado nele. Preste atenção a isso também e boa leitura!

 

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“Berlin Alexanderplatz” – Relatório de Leitura

É tão difícil escrever este post quanto acabar este livro.

Acho, inclusive, que já comentei bastante sobre a minha experiência de leitura quando escrevi a nota de conclusão. A minha maior dificuldade foi lidar com a minha própria melancolia, a qual o contato com a obra, só fez acentuar.

Imagine que você está doente, passou meses em um hospital e além disso está lendo um livro que propõe um paralelo com a fábula bíblica do “Livro de Jó”. Como se não bastasse isso, me deparo com uma grande coincidência, pois ele possui um personagem (não dou spoiler) que dramaticamente também passará por uma lesão e meses de recuperação lenta.

Entende o que eu quero dizer por “minha própria melancolia”?  Não vou mentir, confesso que quase desisti, foi então que mais uma vez a literatura me fez bem fazendo mal. E, as aventuras narradas na história fizeram com que eu ao menos me relacionasse melhor com a minha própria dor.  Foi assim que o livro rendeu, pois ao me forçar a lê-lo cresci.

É a segunda vez que isto acontece,  a primeira foi quando eu li “A Educação Sentimental” de Gustave Flaubert. Acho que sem querer, estou creditando à lista uma dimensão espiritual que a pobrezinha não possui. Deve ser coisa de pisciana…rs. Enfim, vamos ao que interessa, ou seja, as minhas outras dificuldades na leitura.

O texto é fluido, isto posto, não se trata de uma obra tão antiga quanto outras já abordadas pelo blog. Peço também um momento para fazer uma ressalva, pois quando falo que um texto é fluido, já levo em conta que trata-se de literatura clássica, e que você, leitor do blog, caso aventure-se ler, já leve isto em consideração.

Então, não briguem comigo caso Alfred Döblin não seja a cornucópia da última HQ do Wolverine, tá bom? (Quero deixar claro que amo HQ também!)

De volta ao livro, preciso mencionar algo mais: as peculiaridades da vida alemã impregnadas no texto.

Sim, existem algumas situações, trocadilhos e etc, que podem vir a passar batidas, caso não venham mencionadas na tradução. Então, se você se deparar com alguma fala ou situação que considere boba, leve em consideração que a história contada refere-se a uma população bem específica com costumes próprios e um peculiar jeito de  ser.

Creio já ter feito todos os comentários pertinentes, portanto aproveito para fazer uma observação. Antes de ler o livro, todo mundo me falou da minissérie do Fassbinder. Eu ainda não assisti, e quero compartilhar com você leitor a satisfação que foi ler este livro.

Aconselho à você que ainda não assistiu a minissérie a ler o livro antes, e se engajar nos “experimentalismos” narrativos de Döblin apenas com a imaginação, sem ter um discurso imagético como referência. Vai por mim que vale a pena!

“A Educação Sentimental” – Relatório de Leitura

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“No Moulin Rouge” – Henri de Toulouse-Lautrec

Outro livro difícil de encontrar, e nem ao menos a Biblioteca Pública dispunha de um exemplar. Como o blog ainda estava no início, eu não queria sair muito da ordem da lista, portanto, me pus a pesquisar possibilidades. Encontrei o livro à venda por R$ 29,79, em uma única livraria da cidade. Verifiquei e o preço online (Não inclusa a taxa de envio) era rigorosamente o mesmo. Liguei para um sebo, que para variar não dispunha do exemplar, entretanto o dono me deu uma dica. Um endereço online. Um cadastro de sebos.

Fui ligando de um em um. Na terceira tentativa, a senhora que me atendeu disse que acessaria o cadastro dos sebos. Eu disse que foi assim que a encontrei, pelo cadastro da internet e ela me esclareceu que alguns sebos, estão ligados a uma espécie de rede de localização de títulos. Ela realizou uma busca e encontrou um sebo (grande e no centro da cidade) que possuía um exemplar cadastrado. Aconselhou-me a ligar antes e confirmar. Assim fiz.

Ao chegar lá e conversar com a garota que falou comigo e confirmou pelo telefone, descobri que ele não estava na estante. Ela fez outra busca no computador que registrou a presença do danadinho na loja. Concluiu que deveria estar no estoque e esperei no caixa, enquanto uma fila desenvolveu-se atrás de mim. Ouvi alguns murmúrios. Poucos instantes depois ela volta com o dito cujo na mão. “Nossa este livro deve estar aqui há muito tempo. Para estar escondidinho assim no estoque, ninguém nunca deve ter procurado…”

Comprei-o por cerca de metade do preço de um exemplar novo, exatamente R$ 15,00. Uma edição muito bela. Vermelha, capa dura, letras em dourado. Possuía um único defeito, uma rasurinha mínima na capa, como se ela tivesse sido dobrada para frente e para dentro. Mesmo com a vocação para contorcionista da capa, segui feliz para casa.

O livro é denso, descobri que a velocidade de leitura nem sempre corria a contento, eu acabava voltando um parágrafo inteiro porque perdia o fio à meada. Foi quando decidi ler somente à noite, e deste momento em diante a leitura correu a contento. No silêncio do sono da cidade ele se abriu em toda sua fluidez.

Devo dizer que não esperava nem esta história, nem este contexto e muito menos esta trama para uma obra posterior a “Madame Bovary”. Como não fiz nenhuma pesquisa prévia, o livro foi inteiramente uma surpresa para mim. Às vezes penso ser essa a melhor política, você ler algo sem ter idéia do que se trata. Deixar-se surpreender e cativar.

Enquanto lia, o livro me atraiu mais pelo estilo do texto do que pela história em si. Isso durou até o momento em que o terminei. Qual não foi a minha surpresa, com a melancolia que invadiu o meu coração. Lembrei de tantos momentos de minha vida. Fiquei brava! Como se o livro tivesse tomado algo de mim. Releguei-o irreconciliável ao exílio da cômoda, disposta a ser muito ferina com ele.

Passados dois dias, percebi que ele me feriu por falar de coisas que ainda eram muito fortes em mim. Que a bronca não era com o livro, era comigo mesma. E tendo feito esta descoberta não a poderia ignorar, foi neste momento em que o livro cumpriu sua tarefa. Mostrou à sua maneira o que na minha vida não passava de ilusão. Ele não me feriu, ele me curou, e reconciliados escrevemos juntos os posts do blog. Eu e o livro. Eu e Flaubert.

“A Educação Sentimental” – Guia de leitura

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Flaubert adiantou-se e escreveu uma obra que trata de todos os nossos problemas afetivos, ou para ser mais exata, o conflito entre a alma romântica (seus anseios idealistas na busca do parceiro) e o mundo moderno, com toda a sua racionalidade, instantaneidade e descompromisso com o amor romântico.

A sociedade, ali, já não comporta o herói romântico e mesmo esse, não tem problemas em abrir mão de seus ideais elevados para “realizar seus sonhos”, leia-se: conseguir êxito na vida. E quando o fazem, escorregam, erram a mão e acabam atropelados pela realidade, pautada na praticidade dos interesses rasos. Os revolucionários, os arautos do saber, os liberais e os conservadores. Todos ainda possuem o mesmo discurso de tons idealistas de outrora, enquanto isso a realidade que os cerca é destruidora, sem sobrar nada para ninguém.

Desculpe-me Proust, mas o título desta obra deveria ser “Adeus às ilusões”, já que tudo se transforma em pó e até mesmo o amor decepciona. Fica fora de compasso, um estranho que não pode germinar em solo infértil.

Neste “A Educação Sentimental” todos os ideais românticos perdem consistência, e se tornam ilusões, mas como é Flaubert, isso é feito com maestria, tecido com capricho e disposto na obra com a mesma perícia de um mestre confeiteiro derramando a cobertura por sobre a torta. Este é um livro para se ler com calma, com atenção às implicações da trama e à vida interior dos personagens, pois aí reside o seu filet mignon.

Este é um livro relativamente fácil de ler quanto à estrutura do texto, contudo, em sua trama, possui elementos que podem dificultar a sua assimilação. A narrativa tem como pano de fundo a Revolução de 1848 na França e os períodos que a antecederam e sucederam.

De certa forma, através das ações dos personagens que a compõem, a obra desmonta a visão heroica que a descreve na maioria dos livros de história. Portanto, recomendo a leitura de textos sobre a Revolução, para compreender a dinâmica entre os personagens. (Não citarei nenhum texto em específico, ou fonte bibliográfica, esta parte deixo à cargo do freguês, mas postarei material complementar mais adiante). Sem isso, você corre o risco de ficar perdido em alguns pontos, ou ainda pode perder toda a ironia de Flaubert sobre o assunto. Neste caso, convenhamos, Flaubert com reservas não é Flaubert.

“A Educação Sentimental” – Nota de Conclusão

G-Flaubert

Concluí a primeira obra de Flaubert na lista.  Já na última página senti uma sensação ruim graças aos  rumos tomados pela história. Saí para caminhar na praia e percebi que até “Madame Bovary” conseguiu me animar mais.

Crises existenciais à parte, este livro é uma obra de arte, um primor de delicadeza. Possui uma arquitetura sutil, que permite aos relacionamentos entre os personagens diversas camadas, etapas e variadas ligações no decorrer da trama. Uma teia bem urdida e temperada com paciência. Sua leitura foi um verdadeiro “Adeus às ilusões”, se me permitem o trocadilho, uma experiência, para mim, profunda , daquelas que fazem repensar a vida.

Para evitar spoilers prefiro não prolongar este texto além da conta, por enquanto isso é tudo. Digo que gostei, não sei se repetiria a dose e me arrependo (muito) de não tê-lo lido durante a minha adolescência.

“A Educação Sentimental” – Gustave Flaubert

Aqui você encontra todos os posts sobre o livro “A Educação Sentimental” de Gustave Flaubert, os materiais complementares e os textos relacionados.

Nota de Início – Impressões e considerações pré-leitura.

Nota de Conclusão – Impressões e considerações pós-leitura.

Relatório de Leitura – Um diário de leitura, com as dificuldades e particularidades da leitura de cada livro. O meu dia-a-dia com o livro e com a experiência de sua leitura.

Guia de Leitura – Dicas para facilitar a leitura, o entendimento da trama, e a melhor assimilação da obra.

Vídeo – Resenha em vídeo da obra.