Após ler o livro, pensei em dividi-lo em três partes e escrever o guia, para só então perceber já estar separado assim. Cochilos à parte, as divisões que me vieram à mente naquele momento foram rigorosamente as mesmas de Orwell. Por isso aproveito-as para propor um roteiro de leitura. Como o livro é autoexplicativo não serão necessários complementos. Postarei depois informações para quem se interessar em aprofundar-se na obra.
A estrutura do livro é simples, sem elucubrações. Caso você queira realizar uma análise mais ampla pode utilizar a estrutura da Poética de Aristóteles (começo, meio e fim), ou, por exemplo, a divisão em três atos, tanto faz. O fato é que possui três partes distintas. Como meu intuito é facilitar a leitura, vou me ater às divisões pensadas pelo autor, e inconscientemente assimiladas por mim. A saber:
PRIMEIRA PARTE
É constituída de oito capítulos, é uma introdução à vida na Oceânia. Apresentação de personagens e cenários, aclimatização ao universo retratado, e início da trama. Nessa primeira parte, cabe prestar atenção, pois alguns detalhes são rememorados à frente e serão cruciais não só para o entendimento do livro, como para revelar alguns subtextos do autor.
A velocidade aqui é mais lenta por conta da própria trama, creio. Como se trata de um regime totalitário as interações entre os personagens é limitada. Não que a espontaneidade inexista – vide os Parsons, Syme e os proletas – mas ela está longe de ser corrente.
Das três partes esta foi a que menos me capturou, apesar de sua singeleza. O que não poderia ser diferente, afinal, como se empolgar ao observar uma sociedade em que conceitos como liberdade e democracia são suprimidos?
SEGUNDA PARTE
Possui dez capítulos. Aqui a narrativa ganha um novo colorido. A parte mais “feliz”, por assim dizer, da estória. Este trecho é mais ágil, o foco se distancia um pouco do Grande Irmão. Ele age na história, mas com certa distância, os acontecimentos tem outro corpo. Nessa parte há mais intuição, sensibilidade e inconsciente. É uma brisa de ar fresco em um ambiente até então claustrofóbico. Não tem como não gostar desta parte de 1984. Acredito ser este o momento em que somos realmente envolvidos. Aconselho a deixar acontecer.
Duas coisas a salientar, a primeira é: nesta ocasião temos a visão global do mundo imaginado por Orwell em 1984. Muito é esclarecido quanto ao rumo dos acontecimentos que culminaram no regime totalitário da Oceânia. A segunda é que a crítica ao socialismo, se mostra mais aguda e acurada. Orwell desmonta teorias com facilidade ao expor seus intentos subjacentes de dominação. Ele desmonta as ilusões e mostra como o partido funciona e se articula na busca da permanência eterna no poder.
TERCEIRA PARTE
É a menor das divisões do livro. Contém seis capítulos. O Grande irmão volta fazer parte da trama. Pode se dizer que esta é a parte mais importante. É o epílogo da saga. É a conclusão das pontas soltas que faltavam. Não cabe neste trecho nenhuma ressalva. A tensão do livro a esta altura impedirá que se desvencilhe dele. A única coisa a fazer é observar o desfecho se desenrolar.
Observações:
- Em outra postagem tratarei do Apêndice e trarei mais elementos para este capítulo. A Novafala e o duplipensamento pedem um comentário mais rico e exclusivo. De resto, digo que caso o leitor prefira não se aprofundar nestes conceitos, pode ler o dicionário sem medo. O texto é simples e deixa o restante do livro coeso. É a chave de ouro com a qual Orwell encerra 1984.
- Existem várias versões para download gratuito na internet, como o livro já caiu em domínio público, os direitos autorais pertencem ao tradutor que libera (ou não) o seu trabalho na rede. Algumas versões foram liberadas por eles, vale conferir no google, ou baixar por sua conta e risco. Eu optei por emprestar o meu volume na Biblioteca Pública, já que iria viajar. Emprestei uma edição de 2009 da Companhia das Letras.
- Uma ressalva quanto à edição da Companhia das Letras: após o apêndice do livro, eles publicaram como posfácios três textos que comentam a obra. Bom, você pode ser dessas pessoas se sentem de cansadas em dividir o mundo entre e direita e esquerda, mas os textos foram redigidos apenas por intelectuais (pesos pesados, façamos justiça) de esquerda. O primeiro é Erich Fromm, psicanalista, sociólogo e filósofo. Possui uma obra vasta que une a Psicanálise à Teoria Marxista. É adepto de um socialismo mais light. Ben Pimlott historiador britânico do pós-guerra, foi presidente da Sociedade Fabiana. Thomas Pynchon, provável futuro Nobel (excelente escritor) e herdeiro da literatura Beatnik. É a velha mania dos intelectuais brasileiros, não só de serem parciais, mas de acreditar que a verdade reside apenas na sua linha de pensamento. Como se a direita americana e européia não possuísse intelectuais tão bons quanto (ou melhores que). Ao leitor têm de ser dada a chance de tirar suas próprias conclusões e não ser induzido. Esse tipo de estratagema pode pegar algum leitor desavisado, já que nos textos é reforçado de forma simplista que o duplipensamento existe de ambos os lados, e com o mesmo objetivo, lamentável.