Chega a ser engraçado fazer um guia de leitura para “Casa de bonecas”. Ler peças de teatro é muito fácil! Não existem tantas descrições como em romances, o que dá agilidade a leitura. Estamos falando praticamente de ações, portanto não há segredos.
Contudo, o que deve ser observado nesta obra é o seu contexto, pois dessa forma, você vai compreender melhor as intenções do autor ao escrevê-la, e evitar julgamentos à luz da modernidade. Em uma primeira incursão talvez ela não pareça tão convidativa, por isso temos de levar em consideração o tempo decorrido desde sua primeira encenação, e o fato de muito do seu ineditismo e impacto tenham sido dissolvidos pela estrutura atual da nossa sociedade que difere da retratada ali. Não darei spoilers, e para tanto procurarei ser bem geral.
A estrutura da peça é o tradicional “três atos”. O autor é sucinto, vai direto ao ponto e constrói muito bem as tensões da obra no subtexto. Como foi lançada na época do início do feminismo, o texto é considerado por muitos um libelo do movimento, mas o próprio autor esclarece: “Eu sou mais poeta do que filósofo e declino da honra de ter lutado conscientemente pela causa feminista. Eu não consigo sequer ver o que seja a causa feminista. Para mim, há somente uma causa, a da humanidade”.
Na peça Ibsen trata dos papéis feminino e masculino, impostos ou aceitos, dentro de um casamento, na sociedade da época. O título faz alusão à forma como as mulheres eram tratadas: “Bonecas”. Um ser nada complexo e portanto incapaz de tomar suas próprias decisões ou de possuir uma vida interior profunda. É um marco do Realismo, e é esta a melhor forma de a ler. Como um elemento de oposição a aura ilusória da corrente do Romantismo. Ibsen inspirou-se na história de uma amiga, que viveu um episódio o qual ficou conhecido na época como “caso Laura Kieler“. O desfecho de Laura foi diametralmente oposto ao da protagonista. É como se o dramaturgo tivesse reescrito a história da amiga com o final que ele gostaria de ter dado a ela na vida real. Por ser tão próxima e tão viva a obra ecoa a percepção da real dimensão do amor. Aquele que não pode, nem deve, nunca, ser uma encenação.